Essa semana um dado me chamou a atenção. Há quase uma década o remédio mais vendido no Brasil é o Dorflex, uma associação de analgésico e relaxante muscular. O Brasileiro está sofrendo muito de dor crônica! E o impacto sócio econômico e psicológico disso é devastador. A dor crônica interfere na maneira como nos relacionamos com os outros e conosco mesmo, na habilidade para desempenhar funções no trabalho e fora dele. Depressão, ansiedade e insônia entram num círculo vicioso de causa/efeito e dificultam o diagnóstico e tratamento. Além disso, a resiliência está reduzida em pacientes com dor crônica, levando a uma pior reação ao stress inevitável do dia-a-dia. E a Pandemia agravou muito isso! Mas existe luz no fim do túnel!!!
A Dor pode ter origem em diversas estruturas como:
- Músculos/ Miofascial/ Articulações;
- Sistema Nervoso (enxaqueca, neuropática, declínio neurodegenerativo);
- Visceral (trato gastrointestinal, útero, bexiga, etc);
- Induzida por Cirurgias, Traumatismos, Quimioterapia, Radioterapia;
- Emocional (Depressão reduz o limiar de dor, aumentando a percepção);
O Mecanismo da dor pode ser explicado:
- Mediadores inflamatórios: citocinas liberadas pelo nosso sistema imune, sensibilidades alimentares, toxinas, traumatismo, ativação do GALT (tecido linfoide associado ao intestino), AGEs (produtos finais de glicação avançada), LPS (lipopolissacarídeos de bactérias gram negativas intestinais), medicamentos;
- Desequilíbrio em Neurotransmissores/ receptores: aumento de moléculas que facilitam a dor (substância P, Glutamato, fator de crescimento neural, CCK), redução das vias inibitórias da dor (vias descendentes nociceptoras, Norepinefrina- Serotonina-Dopamina, opióides endógenos, GABA, Canabinóides, Adenosina);
- Ativação da microglia no cérebro;
- Alterações estruturais (neuro-musculoesquleteico);
- Predisposição genética;
Quando a dor se torna crônica há alteração estrutural nos nociceptores, no cérebro, nos hormônios. Amplificamos a sensação de dor, reduzimos o sistema analgésico endógeno, liberamos hormônios do stress (catecolaminas, cortisol). E tratar os sintomas sem procurar as causas traz apenas alívio temporário e gera consequências do uso prolongado de remédios. Os Antiinflamatórios não hormonais por exemplo alteram a secreção do nosso hormônio maestro, a Melatonina. Além disso, causam gastrite e alteram a microbiota e a permeabilidade gastrointestinais e com isso aumentam incidência de doenças auto-imunes, diabetes, síndrome metabólica. A dependência de opióides é hoje um dos maiores problemas do sistema de saúde nos EUA, sendo responsável pela morte de mais de meio milhão de americanos entre 2000-2015 e foi declarada em 2017 um estado de emergência de saúde pública.
Dor crônica pela óptica da Medicina Funcional é causada por Disfunção Mitocondrial. Mitocôndrias são organelas celulares onde produzimos ATPs (moléculas de energia), ou seja, são trilhões de micro usinas de energia no nosso organismo. Na disfunção mitocondrial ocorre:
- Redução de produção de energia;
- Aumento da produção de Espécies Reativas de Oxigênio (os famosos Radicais Livres, que nada mais são do que formas de Oxigênio que perderam um elétron e se tornam muito reativos, danificando estruturas ao seu redor);
- Aumento da permeabilidade da membrana mitocondrial, gerando desequilíbrio de micronutrientes como minerais e vitaminas;
- Aumento da apoptose (morte das mitocôndrias);
Como o Sistema Nervoso Central (SNC) é um dos que mais consome ATPs , a disfunção mitocondrial irá aparecer ali primeiro. Só para você ter ideia, a demanda de energia no nosso corpo acorre nessa proporção: 22% SNC;
22% Músculos (agora você entende a origem das dores musculares e o porquê do dorflex ser o medicamento mais vendido);
Fígado 21%;
Coração 9%;
Rins 8%;
Tecido adiposo 4%;
Sendo os remanescentes 14% o resto do organismo inteiro!
Diversas doenças já foram identificadas como consequência de mitocondriopatias: Diabetes, Cancer, Alzheimer, Parkinson, Ansiedade, Esquizofrenia, Transtorno Bipolar, Sarcopenia, Osteoartrite, Degeneração de discos intervertebrais, Fibromialgia, Enxaqueca, Insuficiência cardíaca, Autismo...
Associado à Dor Crônica surgem:
-Insônia (redução de Melatonina, aumento do estado inflamatório, redução da capacidade de detoxificação, alteração de hormônios e neurotransmissores);
-Fadiga, cansaço crônico;
-Depressão/ Ansiedade;
-Dor de cabeça;
-dor facial (ATM- Articulação Têmporo-Mandibular);
-Alterações endócrinas;
-TPM, dismenorréia;
-Sindrome do Intestino Irritável;
-Cistite intersticial;
O grande problema de tratar apenas os sintomas com medicamentos é que a margem de eficácia é baixa e efeitos colaterais altos, muitas vezes inclusive aumentando a dor no uso crônico. Entra-se num círculo vicioso que só é quebrado ao tratarmos a causa da dor.
Como você viu, Dor tem mecanismos complexos portanto o tratamento eficaz de dor crônica é multidisciplinar. É preciso implementar algumas coisas (o médico fucnional saberá dizer quais as prioridades):
-Mudanças de estilo de vida: Sono reparador, Dieta anti-inflamatória rica em antioxidantes, Atividade física;
-Suplementos antioxidantes para suporte mitocondrial (ver abaixo no resumo)
-Psicoterapia;
-Meditacao, yoga, pranayama, aterramento (ver meus outros posts, exercícios de respiração aumentam a oxigenação do sangue e melhoram a saúde mitocondrial. Além disso reduzem citocinas inflamatórias, aumentam o tônus do nervo vago);
-Acupuntura; aumenta a produção de substâncias analgésicas endógenas.
-Manipulacao de coluna (a quiropatia ativa mecanoreceptores em músculos, ativando o cerebelo e aumentando o limiar de dor, assim você percebe menos dor);
-Aromaterapia (ativa sensores olfatórios que ativam o parahipocampo, reduzindo dor. Também altera expressão de genes inflamatórios);
-Musicoterapia (ativa receptores auditivos que ativam o lobo temporal);
-Cannabis Medicinal: ativa receptores canabinóides que são analgésicos e anti-inflamatórios, melhora sono e stress.
Não existe um único remedio que possa curar a causa .É um conjunto de coisas. E temos que considerar a bioindividualidade, analisar em cada paciente:
- Antecedentes: genética (lembrando que genes não sao destino. Mesmo que você possua esses polimorfismos os seus hábitos de vida é que determinarão se esses genes serão expressos ou silenciados). Historia familiar, Alteracoes na gestação e Parto;
- Quais são os gatilhos, o que desencadeou o início do quadro:
- Traumas na infância estão relacionados à maior percepcão de dor;
- Disbiose (desequilíbrio das bactérias intestinais levando a leaky gut ou aumento da permeabilidade intestinal e inflamação sistêmica. Você sabia que TCE, traumatismo crânio encefálico, causa leaky gut e leva à inflamação crônica?
- Inibidores de bomba de prótons (Omeprazol, etc) também causam disbiose, assim como uso prolongado de AINEs (Anti-inflamatórios não esteroidais como Ibuprofeno, AAS, etc);
- Toxinas como metais pesados (Mercúrio, Chumbo, etc), mofo, fumo, álcool, BPA (plástico) ou até mesmo a redução da excreção diária de nossas toxinas (constipação) também podem ser a causa;
- os mediadores, os perpetuadores da dor : depressão, dieta inflamatória, toxinas, anemia, lesões por esforço repetido (LER),sedentarismo ou até mesmo overtraining, ou seja, exercícios em excesso;
- Há alterações estruturais ou neurológicas?
- Existem desequilíbrios metabólicos e hormonais?
- Quais fatores de estilo de vida estão contribuindo para a propagação? Alterações no sono, dominância do SNS (precisamos aumentar o SNPS), pouco ou muito exercício, stress, relacionamentos tóxicos, falta de propósito na vida.
Resumindo, o que fazer para quebrar o círculo vicioso e tratar a causa do desequilíbrio:
- Procure ajuda! Não se isole! Tenha uma rede de apoio, você não está sozinho!!!
- Alimentação anti-inflamatória, carga glicêmica controlada, pouco alergênica (sem derivados de leite, glúten). O glúten, a gliadina e o brometo encontrados no trigo estão muito relacionados a doenças auto-imunes e síndromes dolorosas;
- Tratar leaky gut para reduzir exposição a LPS das bactérias Gram negativas (que aumentam a inflamação, causam leaky brain e reduzem o limiar de dor) e equilibrar o eixo intestino-cérebro;
- Modular stress e aumentar tônus parassimpático e liberação de cortisol. Meditação, Pranayama, Yoga, Hobbies, Journaling;
- Suporte mitocondrial com nutrientes: CoQ10, Magnésio, Complexo B, L-Carnitina, 5-HTP;
- Gorduras boas mono e poliinsaturadas são antinflamatórias e também compõem e estabilizam a membrana celular dos neurônios, e com isso os impulsos nervosos que regulam a dor;
- Movimento: exercício físico moderado, diariamente. Um profissional de Fisioterapia e/ou Educação Física pode ajudar muito a traçar um plano respeitando as limitações do paciente, criando motivação para treinar;
- Reduzir toxinas (álcool, tabagismo, metais pesados, agrotóxicos, tratar constipação);
- Psicoterapia;
- Terapias Adjuvantes: Cannabis Medicinal, Quiropraxia, Terapia Crânio-Sacral, Massagens, Acupuntura;
- Ao reduzirmos a inflamação reduzimos a infiltração de nervos por células imunes e com isso há melhora da dor;
- Otimizar a Vitamina D, a Metilação (5-metil-folato) , Minerais (Magnésio), Probióticos e Glutamina para melhorar disbiose. O médico e o nutricionista funcional podem prescrever diversos nutrientes que otimizam a saúde mitocondrial. Vitaminas A, Complexo B, C, D, E, K2, Ômega 3, Magnésio, Selênio, Cobre, Manganês, Coenzima Q10, Ácido alfa lipóico, N-Acetil cisteína, creatina, L-carnitina, Epigalocatequina, Curcumin, Resveratrol, Quercetina. Uma alimentação balanceada engloba muitos desses, então uma avaliação das deficiências é crucial em pacientes com dor crônica. Muitas vezes o paciente não consegue corrigir déficits sozinho.
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